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Exposição Actual

16/09/2023 - 30/09/2024

Echoes of our stories

A exposição coletiva Echoes of Our Stories [ecos das nossas histórias] reúne obras de Claudia Martínez Garay, Diana Policarpo, Jennifer Tee, Agnes Waruguru e Müge Yilmaz. As cinco artistas contam histórias que reimaginam a nossa relação com o ambiente e os mais do que humanos. O título da exposição é inspirado num ensaio da botânica e membro da Nação Potawatomi, Robin Wall Kimmerer. Num momento de crise climática e profunda incerteza sobre a nossa sobrevivência, ela volta-se para as histórias dos seus antepassados. São as plantas mestras, como os musgos e a erva-doce, que nos podem guiar e mostrar um modo diferente de viver em conjunto. São as histórias de origem e as cosmologias a que Kimmerer se refere, que podem falar não apenas dos lugares donde viemos, mas como chegámos até aqui e também como podemos avançar. É preciso revisitar os ecos dessas narrativas.

As artistas desta exposição tecem histórias que nos fazem olhar para o mundo à nossa volta de maneira diferente da perspetiva ocidental dominante e que nos ajudam a compreender esse mundo. Elas propõem novas cosmovisões, alternativas espirituais, curativas e futurísticas, nas quais as rígidas dicotomias entre humano-natureza, acima-abaixo, centro-margem são subvertidas.

Curadoria de Aveline de Bruin e Laurie Cluitmans, em estreita colaboração com Heske ten Cate e Filipa Oliveira.

Esta exposição é possível com o inestimável apoio da Coleção de Bruin-Heijn.

 

 

Claudia Martínez Garay

Nas suas pinturas, colagens, instalações e murais, Claudia Martínez Garay reflete sobre a complexa, e por vezes violenta, história da sua terra natal, o Peru. Este mural, intitulado Huaquita, foi criado para a entrada monumental da Quinta do Quetzal e consiste numa divisão colorida da superfície arquitetónica. As cores fazem lembrar as antigas arquiteturas peruanas com relevos de animais e iconografia colorida. Huaquita evoca associações com os templos e pirâmides de degraus conhecidos como Huacas. Estes são lugares de importância religiosa, onde eram realizadas oferendas e rituais. A forma das portas, por exemplo, lembra as janelas piramidais incas, que funcionam como uma espécie de portal direcionando o olhar do visitante antes de entrar no espaço expositivo.

Claudia Martínez Garay nasceu na província peruana de Ayacucho. Devido à guerra violenta que estalou nos anos 80, Martínez Garay, tal como muitas pessoas das províncias Andinas, cujas populações eram na sua maioria indígenas, acabou na capital, Lima. Ela cresceu com – e entre – duas culturas: a sua cultura nativa e a cultura ocidental predominantemente branca da capital, com costumes impostos pelos colonizadores espanhóis. O seu trabalho faz uma permanente releitura dessa dualidade complexa e violenta na história. Em Llanthuyuhkuna, que a artista realizou especialmente para esta exposição, ela usa o livro para interpretar essa dualidade. Estas páginas de livros, feitas na Viúva Lamego, em Sintra, contam o outro lado da história, ou como ela diz: “estas são as histórias não oficiais que nunca serão incluídas nos livros de história”. Por exemplo, os manuais escolares da sua infância falavam da cultura Inca mas não do domínio sangrento exercido pelos espanhóis, enquanto a própria terra e vida revelam as cicatrizes desse encontro. E se tudo o que tens fosse a tua própria sombra?, como indica o título quéchua desta obra. E se uma outra cultura se apropriar de tudo, extrair, transformar em produto e acumular as suas riquezas à custa de tudo e de todos? Cada página do livro mostra um aspeto desse choque entre culturas: as garras afiadas do condor, símbolo dos Andes, penetrando na pele do touro, símbolo de Espanha; o menino indígena morto, ao lado de todos os bens roubados de um túmulo; ou a contagem do número de pessoas, animais e plantas possuídas ao lado de uma única sombra.

(Cortesia da artista e da Grimm Gallery)

 

 

Diana Policarpo

No filme The Oracle, Diana Policarpo utiliza pesquisa histórica e especulativa para criar uma narrativa sobre o Claviceps purpurea, também conhecido como esporão-do-centeio, e o seu papel na saúde ao longo dos tempos. Durante séculos, esse cuidado esteve nas mãos das mulheres que transmitiam o seu conhecimento sobre plantas medicinais oralmente umas às outras. Por exemplo, usavam o claviceps purpurea em procedimentos abortivos ou, pelo contrário, no parto para estancar o sangue. No entanto, quando usado incorretamente, poderia também ter efeitos prejudiciais, provocando gangrena, alucinações ou loucura. Na Europa, durante a Idade Média, ocorreram envenenamentos em massa em tempos de escassez de alimentos, quando as pessoas consumiam cerveja e pão de centeio contaminados. Acredita-se que a caça às bruxas tenha surgido dessas epidemias massivas e aterrorizadoras que na altura não podiam ser explicadas. Para Policarpo, a ideia de contaminação permite questionar questões complexas sobre cuidado e coletividade. O conhecimento medicinal das mulheres e a sua posição excepcional passaram progressivamente a ser vistos como suspeitos e foram lentamente eliminados pela caça às bruxas, bem como pelo sistema capitalista. Em The Oracle Policarpo consegue tecer uma narrativa histórica interseccional que reposiciona as mulheres e as pessoas com úteros no desenvolvimento da ginecologia moderna.

(Cortesia da artista e da Galeria Lehmman + Silva, Porto)

 

 

Jennifer Tee

Em instalações, esculturas, colagens e performances, Jennifer Tee procura restaurar as conexões perdidas com o conhecimento ancestral e a espiritualidade, bem como entre seres humanos e mais do que humanos. Nas duas fotografias da série Mental Plane~Physical Plane, ela fá-lo ao reunir vários elementos numa colagem performativa e explosiva. Tee combinou pinturas do Museu de Imagens do Inconsciente no Rio de Janeiro com artefactos culturais utilizados para o enterro e rituais de passagem de povos indígenas da América do Sul, juntamente com cerâmicas feitas por ela mesma. Um exemplo é a impressão do seu próprio rosto e uma série de cúpulas semelhantes a luas. Tee espalhou pólvora por toda a cena, que foi acesa no exato momento em que foi fotografada. As explosões de fogo não são um sinal de destruição, mas sim um momento em que tudo se conecta, numa referência ao poder cósmico.

Transient Shroud / Being Less Human consiste numa plataforma com um manto semelhante a uma rede, plantas secas e cúpulas em cerâmica. O manto é suficientemente grande para ser usado ou cobrir uma figura humana. Na plataforma, sem qualquer corpo presente, o manto faz lembrar a pele abandonada de uma serpente ou a impressão residual de um corpo e por isso, tal como o título em inglês sugere, um sudário. Para Tee, é uma maneira de reanimar a relação esgotada entre humanos e mais do que humanos.

(Cortesia da artista e da Galerie Fons Welters)

 

 

Agnes Waruguru

Agnes Waruguru cria um ambiente sensorial com pinturas em têxteis, cabaças em cerâmica que podem ser usadas para produzir som e música, flores e bouquets que têm cheiro e murcham lentamente. As suas pinturas consistem em imagens semi-abstratas, marcações que criam uma paisagem na qual padrões, flores e animais se repetem. Waruguru pinta sobre têxteis, em vez de tela, com água e pigmentos caseiros de flores e ervas misturados com tintas mais tradicionais. Time Travel Dream Sequence (messengers) é um biombo, uma janela e uma referência ao dia e à noite. A pintura baseia-se em esboços que Waruguru fez durante a sua visita ao Alentejo, esboços da paisagem, bem como de plantas e animais locais. A unha do diabo, por exemplo, uma planta nativa do sul de África que foi introduzida na Europa por volta de 1900. Graças aos seus picos, prende-se facilmente à roupa, resultando na sua propagação por vários continentes. As raízes secas têm propriedades medicinais e podem reduzir a dor ou atuar como anti-inflamatório. Pelo espaço a artista colocou cabaças em cerâmica chamadas Ngomi, que significa os eternamente adormecidos. No Quénia, elas são tradicionalmente usadas durante cerimónias como recipiente para beber ou instrumento musical. Para Waraguru, elas transformam-se cápsulas de tristeza. No seu conjunto, este ambiente de objetos forma um cosmos onírico onde é contada uma história sensível sobre transformação e uma relação íntima com a terra.

 

 

Müge Yilmaz

Nas suas esculturas, instalações, histórias e jardins, Müge Yilmaz recorre a histórias antigas e ficção científica feminista. A artista olha para locais arqueológicos extraordinários na Turquia central, por exemplo, enquanto imagina um mundo futuro matriarcal. A instalação A Garden of Coincidences foi inspirada no Göbekli Tepe, com 11.500 anos, na Mesopotâmia. Aqui foram encontrados templos circulares com pilares de pedra contendo relevos esculpidos de animais e plantas. Os seis pilares de A Garden of Coincidences basearam-se nos de Göbekli Tepe e estão cobertos por ramos que Yilmaz encontrou na área envolvente da Quinta do Quetzal, construindo uma cabana coberta. Esta obra pode ser vista como um templo contemporâneo e um monumento. Cada pilar é uma homenagem a um antepassado recente que desempenhou um papel importante na luta pela igualdade de direitos e na defesa do meio ambiente: Ali & Aysin Büyüknohutçu, Berta Cáceres, Pippa Bacca, Berkin Elvan, o trabalhador anónimo da Foxconn e Olivia Arévalo.

O templo funciona como lugar de encontro que qualquer pessoa pode visitar. No entanto, devido à sua altura de 120 centímetros, pessoas mais altas devem curvar-se e assumir uma posição mais humilde e ao mesmo tempo de maior igualdade.

Nas suas esculturas, instalações, histórias e jardins, Müge Yilmaz olha para o passado profundo e também para um futuro imaginado. Nas suas próprias histórias especulativas, ela evoca um mundo matriarcal futuro, inspirando-se em locais arqueológicos extraordinários da Anatólia central, como Çatalhöyük com quase 9.000 anos. Goddess Theory é composta por duas esculturas monumentais de madeira que formam faróis flutuantes. Os objetos têm origem na história de Yilmaz sobre uma aldeia no ano 4000, habitada e liderada por pessoas que se identificam como mulheres. Apenas elas sobreviveram a um evento desconhecido na Terra, graças ao seu conhecimento tradicional de viver em contacto com a natureza. Os dois círculos redondos interligados remetem para um ophanim, motivo arquetípico da Torá e da Bíblia que representa a evolução espiritual. A estrutura de madeira está coberta de olhos e frascos de vidro que funcionam como um banco de sementes, contendo sementes de trigo, milho, cevada e girassóis, entre outros.

Para os abutres na série Gyps, Yilmaz baseou-se nos arcos das casas matriarcais de Çatalhöyük. Ao mesmo tempo, eles também representam o ritual funerário do ‘enterro no céu’: a pessoa falecida era deixada numa cerimónia de despedida para ser comida pelos abutres que a levariam para o céu. Os abutres são como artefactos que remetem para tradições míticas e espirituais, num tempo muito antes da religião organizada.