Vejamos o esqueleto que fala em Bearer of the bad news (2021), de Özgür Kar, que nos recorda da futilidade da nossa existência. A personagem faz lembrar os esqueletos trocistas das ilustrações medievais da danse macabre, ou os esqueletos brincalhões com ossos que chocalhavam em ‘The Skeleton Dance’ (1929), uma das primeiras curtas-metragens da Disney. Só que este esqueleto está imóvel, preso numa caixa. Não faz pouco de nós nem celebra a vida depois da morte tentando assustar-nos, a nós mortais. Pelo contrário, confia-nos uma mensagem existencialista que é demasiado real. Podemos confiar neste personagem porque parece resignado com o seu destino, e, tal como nós, apenas um pouco confuso com o estado do mundo.
A morte é um tema recorrente nos desenhos animados, e Martha Colburn sabe-o bem. No seu filme Dolls versus Dictators (2011) um estranho elenco de personagens oriundo dos arquivos do Museu da Imagem em Movimento em Nova Iorque combate ditadores diabólicos que governavam à época em que o filme foi feito.
Charlie Chaplin, Pee Wee Herman e os Power Rangers tornam-se anjos vingadores num mundo “amigo das crianças” em que olhos lançam raios e as penas conseguem cortar. A violência parece estranha, mas não anda, na verdade, muito longe da realidade de certos regimes ditatoriais, como o de Islam Karimov, no Uzbequistão, que não deixava de cozer vivos os seus adversários.
No trabalho de Joyce Pensato Fuggetabout It IX (2012) percebemos as cruas realidades por detrás dos desenhos animados. No entulho do seu estúdio de Brooklyn, somos confrontados com reproduções sombrias em grande escala de personagens populares, a pingar tinta. Identificamos o Rato Mickey, Batman, Bart e Homer Simpson – e, contudo, não os reconhecemos. É assim que as personagens se apresentam quando saltam do ecrã e entram no nosso mundo cruel e confuso. Ou antes, no mundo de Pensato. Ao ampliar características como lábios grossos, olhos esbugalhados e fartas sobrancelhas, Pensato, filha de imigrantes sicilianos, evoca caricaturas racistas, revelando as dinâmicas interior-exterior da sociedade norte-americana.
A animação entra literalmente pelo nosso mundo físico na instalação de Catherine Biocca, Magic Carpet (2017). Num ambiente em que animações 2D e a nossa própria realidade 3D colidem, assistimos ao diálogo entre duas figuras: uma pedra e um tapete mágico (uns improváveis pai e filho). A pedra deseja aprender a voar como o tapete e pede conselhos. O tapete é arrogante, fazendo com que a pedra transpire de frustração. O que parece ser uma partilha despreocupada e absurda, acaba por nos confrontar com um traço perturbador da natureza humana: Schadenfreude, a capacidade para desfrutar do sofrimento dos outros que é tão importante na indústria do entretenimento.
Thru the Mirror foi buscar o título a uma animação da Walt Disney de 1936. A curta-metragem apresenta o Rato Mickey que, nos seus sonhos, entra por um espelho, tal como acontece com a Alice Através do Espelho de Lewis Carroll. Mickey encontra móveis que falam e depois de se cruzar com um baralho de cartas irrita o Rei de Copas, tendo de fugir para a sua existência de rato no mundo animado. As obras de Özgür Kar, Martha Colburn, Joyce Pensato e Catherine Biocca ilustram a ressonância entre este universo de slapstick, um lugar de crueldade alegre, e a nossa experiência do mundo.
Os desenhos animados, muito à semelhança de espelhos, mostram-nos o mundo não exactamente como ele é. É um mundo de pernas para o ar onde tudo está distorcido, mas são precisamente essas distorções que nos fazem ver mais claramente.
Por baixo da superfície colorida dos desenhos, através do espelho, escondem-se as nossas mais sombrias verdades.
Curadoria de Aveline de Bruin.
Texto de Leonor Faber-Jonker.
Para mais informações sobre a nossa exposição faça o Download do folheto ou leia a publicação em Independent Collectors.
Para celebrar a queda dos Ditadores e para inauguração desta exposição, Martha Colburn realizou o vídeo ‘Dolls versus Dictators: Explained’.